Pós-terror: inspiração antiga, novo modelo

Ingrid Felix
4 min readMar 12, 2020

Pós-terror causa polêmica na diversificada oferta de filmes de terror da atualidade.

Por Ingrid Felix e Bruno Denofrio

Cena do filme “Corra!” (2017), do diretor Jordan Peele.
Cena do filme “Corra!” (2017), do diretor Jordan Peele.

A indústria do horror se consagrou ao longo dos anos com obras que podem ser representadas tanto pelos personagens fantasmagóricos, quanto por reflexões que instigam o desconforto do espectador. Levando isto em consideração, o jornalista do The Guardian, Steve Rose, cunhou o termo pós-terror na tentativa de classificar o longa ‘’Ao Cair da Noite’’ (2017), que ousava fugir dos clichês presentes em ‘’Sexta-Feira 13’’ (1980), por exemplo, e trazia como fator principal o terror psicológico. No entanto, ao realizar o feito, gerou desacordo entre os cinéfilos que questionavam a real validez da definição. ‘’Não concordo com o termo’’, diz Gabriel Gaspar, escritor, crítico e roteirista de cinema. ‘’O prefixo pós pressupõe o rompimento com terror, e não há quebra dos paradigmas presentes no gênero, por contrário, são apenas um resgate bem feito de outra época dos filmes de terror’’, completa.

Gabriel Gaspar, crítico e roteirista de cinema.

Gabriel exemplificou ainda que ‘’A Bruxa ‘’ (2015),’’ Corra!’’ (2017) e ‘’Hereditário’’ (2018), longas que estão sendo apontados como constituintes do suposto novo movimento, possuem uma abordagem bem próxima de ‘’O Iluminado’’ (1980), exemplo vanguardista do gênero terror. O crítico afirma também que a partir dos anos 90, com lançamento do longa-metragem ‘’Pânico’’ (1996), a indústria cultural percebeu que filmes com foco nos famigerados jumpscares geram maior lucro para o mercado do que aqueles com elemento do terror psicológico. Esse movimento fez com que o senso mercadológico se apurasse, mas o prestígio por parte dos críticos se perdesse, por conta do estereótipo gerado na inclinação apelativa dos slashers (longas com temática de assassinos em série, feitos com baixo orçamento) e o chamado ‘’terror b’’ em geral.

Cena do filme “O Iluminado” de 1980 do diretor Stanley Kubrick.

Por muito tempo, houve um monopólio de temáticas nos roteiros produzidos no horror, a fim de gerar mais lucro para a produção. Há, no entanto, um movimento de negação a essa atitude e os diretores atuais parecem estar mais inclinados à liberdade criativa do que aos ganhos sob o longa. ‘’O gênero terror costuma ser feito com filmes mais baratos’’, afirma Gaspar, sobre a justificativa da conduta desses novos diretores. Além disso, o mesmo diz que por meio desses experimentos, surgem técnicas cinematográficas que são posteriormente adotadas em outros gêneros. Essas inovações tecnológicas levam ao maior reconhecimento do horror no cinema que por alcançarem maior notoriedade, são influenciados a sempre se renovarem. Por conta disso, o terror passa a ter enredos de maior profundidade e personagens mais complexos que provocam a introspecção do expectador.

‘’O terror sempre teve um apelo pela inovação, hoje em dia, o que a gente vê com o suposto pós-terror é um resgate a este instinto inovador, que é de sua própria natureza, principalmente falando mercadologicamente’’, afirma Gabriel.

Por fim, perguntamos ao crítico e escritor se o gênero terror tem potencial no mercado brasileiro, já que o mesmo não possui muito reconhecimento na nação e se prende ainda nos estereótipos. ‘’Sim! Principalmente porque é um gênero subaproveitado no Brasil, e não chegou ainda no grande público. No país, essa massa consome mais comédia mas temos ótimos diretores, como o Mojica do Zé do Caixão que não é levado a sério no Brasil mas lá fora, tem um reconhecimento enorme. A nova geração tem feito bons filmes de terror, só falta mesmo chegar ao grande público, pois sabemos que há grande demanda para o gênero e ela é fiel’’, respondeu ele.

José Mojica Marins, cineasta e criador do personagem “Zé do Caixão”.

É possível perceber que a saturação de temas que contenham famosos esteriótipos dos filmes de terror, como adolescentes fugindo de serial killers e casas mal-assombradas, não se perpetuam no gênero sem sofrer alterações pela retaguarda, que ao fazer um grande apanhado de artimanhas cinemáticas e sinopses, acompanhadas de novas descobertas, produzem películas de qualidade que vão além dos sustos, mas que não negam suas origens.

Imagem promocional do filme “O Bebê de Rosemary”, do diretor Roman Polanski.

--

--

Ingrid Felix

Cursando letras na FFLCH - USP. Fã de editorias culturais, aspirante a crítica de cinema, escritora e roteirista.