Quebra da quarta parede: como o recurso aprimorou enredos de jogos

A ferramenta narrativa é utilizada com frequência no mundo dos games e demonstra um novo perfil de histórias

Ingrid Felix
3 min readMar 13, 2021

Por Ingrid Felix

Imagem do game “The Stanley Parable”

O invisível muro entre jogador e personagem está mais fino do que nunca. O fenômeno da “quebra da quarta parede” ocorre quando uma figura da trama percebe que faz parte de um universo fictício e dialoga com a pessoa que a observa fora dele. Este mecanismo é muito antigo, sendo utilizado no teatro medieval e nas obras de Shakespeare, por exemplo. No entanto, se engana aquele que acredita que o universo dos games não é atingido pela quebra.

Protagonista de Eternal Darkness.
Alexandra Rovas, protagonista de Eternal Darkness

Na década de 2000 surgiram os primeiros jogos que dialogavam diretamente com o jogador. Eternal Darkness, um game de survival horror, desenvolvido pela Silicon Knights e lançado para Nintendo GameCube, foi um dos destaques nessa categoria. Durante a gameplay, a protagonista deve manter um nível de sanidade adequado, pois caso este fique abaixo do aceitável, não somente a jovem é castigada, como o próprio player, que ao tomar poção de cura no intuito de aumentar a vida desta, por exemplo, mata a personagem. A quebra de expectativa realizada com essa ação tem como objetivo afetar diretamente aquele que está controlando a garota, o que configura o rompimento da quarta parede.

Outras empresas foram ainda mais longe nesta estratégia, e programaram personagens para conversar diretamente com aquele que estava controlando o protagonista. Este é o caso de Metal Gear Solid, um game de ação desenvolvido pela Konami e lançado para Playstation, que introduziu o notório vilão Psycho Mantis. Em determinado ponto do jogo, Mantis descreve tudo que está salvo no memory card do jogador, revelando que pode “ler sua mente” e que o conhece.

Psycho Mantis, personagem de Metal Gear Solid.

Na atualidade, diversos desenvolvedores optam por quebrar a quarta parede. Um dos mais famosos jogos indies, elevou este conceito ao extremo: I’m Scared, um game de terror desenvolvido para pelo estúdio My Madness Works para PC, assombrou toda a comunidade gamer ao se apresentar como um jogo que sabe o que é, e adverte: “não confiem em mim”. Para completar os objetivos, o player deve manipular arquivos em sua biblioteca, acessar links no youtube, e fazer escolhas baseadas nas configurações de seu computador.

Doki Doki Literature Club, jogo de visual novel desenvolvido pela Team Salvato para PC, também surpreendeu por apresentar personagens que não só tentam se comunicar com o jogador, como também podem influenciar o andamento da narrativa, retirando o poder dos indivíduos que as controlam.

“Quando isso acontecer, não se esqueça de salvar seu jogo”, afirma personagem Monika de Doki Doki Literature Club.

Além da atmosfera amedrontadora, a quebra da quarta parede também pode ser inserida para expressar humor ou crítica. The Stanley Parable, um jogo de exploração desenvolvido por David Wreden e a equipe Galactic Cafe para PC, proporciona ao jogador a experiência de controlar o desenrolar da narrativa, contrariar o narrador e interagir com objetos que não fazem parte do cenário. Logo, apesar de o game iniciar com a descrição de que o player está no corpo de um homem chamado Stanley, não é com ele que o narrador se dirige e sim com a pessoa que o controla.

A quebra da quarta parede pode favorecer a história de jogos, ampliando as possibilidades de jornadas que os personagens irão seguir. Assustando, alegrando, ou provocando risadas, essa ferramenta intensifica o engajamento do jogador e promove uma gameplay muito interativa, capaz de gerar a identificação daquela que a conduz com os personagens que a integram.

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Ingrid Felix

Cursando letras na FFLCH - USP. Fã de editorias culturais, aspirante a crítica de cinema, escritora e roteirista.